‘Famosos anônimos’​ e o plágio das páginas de humor na internet

Usuários realmente antigos do Twitter devem lembrar vagamente dessa história aqui:

As hashtags eram as nossas grandes aliadas na hora de socializar e até mesmo criar rotinas, como o #followfriday, #nowplaying e aquela ‘regra de etiqueta’ que acabou virando um recurso fortíssimo da rede —  o retweet.

[Pausa pra risadinha aqui nos bastidores, afinal as figuras mencionadas neste artigo preferem plagiar a usar o botão de retweet]

Correntes viravam hashtags também, e hashtags muito utilizadas ganhavam perfis próprios! Tudo isso aconteceu com o #VouConfessarQue. Arrisco a dizer que foi um dos primeiros perfis ‘grandes’ do Twitter brasileiro, com mais de meio milhão de seguidores e a capacidade de se tornar o 2º perfil mais retuitado do mundo, perdendo apenas para o Justin Bieber. Vale lembrar que estamos falando de uma época em que a quantidade de influencers de sucesso era muito menor e se resumia a Felipe Neto, PC Siqueira, memes do Não Salvo, paródias do Galo Frito…

O @VouConfessarQue cresceu muito, e anonimamente. Houve todo um suspense no dia em que a identidade do administrador do perfil foi revelada: Ricck Lopes. Um dos fatos interessantes da época era que, espontaneamente, usuários do Twitter (inclusive eu) autorizavam que um aplicativo os fizessem seguir outras pessoas em troca de ganhar novos seguidores. Perfis do círculo de amizades – em outras palavras, ‘famosinhos da internet’ – do autor de @VouConfessarQue eram automaticamente seguidos por meio desse aplicativo, mas eles tinham um ‘antídoto’ que pouquíssimas pessoas acessavam: outro robô, que parava de seguir perfis indesejados. Ou seja, essas pessoas seguiam muito menos gente do que eram seguidas, o que reforçava uma interpretação de fama online. 

Henrique no início da fama, aos 18 anos de idade, no auge da página Vou Confessar Que e participando do Colírios Capricho

A diferença entre ser ‘celebridade na rede tal’ e ‘hitmaker multiplataforma’ foi determinante neste caso. De grande estrategista digital, seja pelo Vou Confessar Que ou pelo envolvimento com o velho bot de seguidores, Ricck Lopes também foi consagrado como GALÃ para algumas leitoras (e leitores) da revista Capricho. Sim, ele se tornou “Colírio Capricho” e foi selecionado para o reality show do quadro, que era transmitido na MTV Brasil.

Caixa de palitos Gina. A modelo da foto se tornou personagem na página Gina Indelicada

Sabe quando o enredo da novela acelera, mas simplesmente colocam o texto “5 anos depois”? Então, eu me distraí aqui. O tempo passou e, quando me situei de novo, o burburinho era em torno da tal ‘Gina Indelicada’, um perfil de humor com sucesso estrondoso no Facebook e uma foto de perfil problemática: o rótulo dos palitos Gina, que é uma marca registrada. Em menos de um mês, a página atingiu um milhão de curtidas, e mais uma vez Lopes encerrou o anonimato. À essa altura, já era procurado pela imprensa como um especialista em marketing digital e acabava surpreendendo a todos, afinal tinha apenas 19 anos e era estudante de publicidade. E uma curiosidade: antes de Gina, houve a página Muito Tédio, uma espécie de protótipo onde Ricck testava diferentes formatos de conteúdo e modos de se expressar para observar o engajamento do público. É aqui que a história ganha nuances problemáticas.

Nesta selfie, Henrique Lopes está sorrindo dentro de casa. A foto foi publicada no instagram em referência à participação no programa Fantástico

Ricck Lopes hoje é conhecido como ‘Palitão’, em alusão à origem da página Gina Indelicada, trabalha como DJ e tem um título imbatível: é dono da maior comunidade feminina da internet brasileira e, por consequência, se tornou especialista nos pensamentos e comportamento das mulheres (e algumas pessoas LGBTQIA+). Gina Indelicada é o símbolo máximo de um segmento infinito de perfis da internet cujo principal traço é reembalar falas alheias, ou até mesmo plagiar postagens. A escritora Rosana Hermann foi certeira ao classificar como “influenciadores de banca” os perfis que levam os créditos do humor feito por outras pessoas, sejam anônimas ou figuras públicas.

O tweet de Rosana Hermann diz: "Antes da Internet,'revistinhas de piadas'​ grassavam as bancas de jornal. Eram piadas 'coletadas'​ ( ñ criadas) q vendiam como água.  Hoje  perfis 'humorísticos'​  q 'coletam'​ humor na rede (ñ criam)  viraram 'influenciadores de banca'​ Só mudou a plataforma.  c/c @passa"​

Outra página gigante é ‘Nazaré Amarga’, que atualmente tem mais de 9 milhões de seguidores e foi criada por Gabriel Marques. Consigo perceber que os administradores desses perfis conseguiram desenvolver métodos de monitorar em tempo real os tweets mais propensos a viralizar e a cadeia de assuntos virais a tempo de dominarem a narrativa. Plágio em tempo e volume recorde demanda estrutura e equipe. A audiência se torna fiel porque recebe a ‘curadoria perfeita’ de memes sem perceber que, na verdade, aquilo tudo não partiu de apenas uma mente brilhante. Também não se trata de amadorismo: Nazaré Amarga é uma empresa que vai muito bem, obrigada, inclusive é agenciada pela MUSIC2/MYND, a maior e mais concorrida agência brasileira quando o assunto é marketing de influência e artistas.

Um meme da página Nazaré Amarga e, ao lado direito, uma imagem do criador e administrador da página, Gabriel Marques

Se você é daquele tipo de pessoa que revira os olhos diante da palavra “fofoca”, acho melhor rever a postura e, sim, prestar atenção de vez em quando no que o Leo Dias publica. A exposição da “máfia dos perfis de fofoca” demonstrou que muitas das ‘tretas’ e subcelebridades do momento foram fabricadas e ainda forneceu material para o público começar a questionar a relevância das grandes páginas ‘anônimas’.

Enquanto eu preparava este artigo, no dia 30 de janeiro, me surpreendi ao ler tantos comentários debochados no Twitter porque o Fantástico convidou Ricck Lopes, ou melhor, Henrique Lopes, como entrevistado em uma reportagem e podcast sobre os “comentaristas profissionais de BBB”. O público está cada vez mais consciente e confortável em rotular perfis como Gina Indelicada como plagiadores e compráveis, ou seja, como se não bastasse o incômodo com o histórico de posts copiados, as pessoas duvidam da espontaneidade dos conteúdos: é sério ou será que tem alguma marca ou emissora bancando tantas postagens? 

O trecho sobre se especializar no comportamento e raciocínio feminino não pode passar despercebido, afinal é um dos principais atrativos que fazem essas páginas de ‘humor’ assinarem contratos publicitários. Saber que a maioria dos perfis de ‘deboche’ e celebridades é administrada por homens brancos, cisgêneros e gays (lista aqui) é a prova de que, organizando direitinho, é possível fidelizar o público sem necessariamente ser o espelho dele. Lá no início, as pessoas se aproximaram da ‘Gina’ fictícia — a persona —, mas criaram laços ao formar a comunidade mundial de Palitas e admiram o ‘Palitão’ (lembrando: esse é o apelido e nome artístico de Lopes). Gina Indelicada é uma marca forte, muito amada, e todo patrocinador que quiser interagir com as suas redes terá uma dose de acesso ao público cautelosamente filtrado pelo administrador. Embora seja um perfil com 10 milhões de seguidores de traços demográficos diversos, as pessoas estão unidas pelos interesses de conteúdo e até pelo senso de pertencimento ao grupo que compartilha das mesmas piadas.

É genial? DEMAIS. Dá raiva? Pra caramba. 

Plágio é uma coisa lamentável, pior ainda é ver tamanho endosso dentro do mercado do marketing de influência. Só que nós ainda podemos fazer a nossa parte enquanto audiência. Exija os créditos das postagens, não deixe seu “seguir”, “like” ou compartilhamento em posts desse tipo de páginas. Leia os comentários do meme e veja se não tem alguém denunciando uma irregularidade ali.

Sempre tem alguém pra dizer “nossa, que frescura brigar por autoria de postagem”, não é mesmo? Então aqui está a indústria. Tem gente ganhando muuuuito dinheiro às custas das criações alheias.

ambos os  tweets dizem: "amo o conceito de falar "que ódio"​ apesar de ter gostado"​. O original foi publicado há um dia, já o da Nazaré Amarga havia sido postado há minutos

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