O que a Batekoo ensina a uma rockeira

Foto: Facebook da festa

Tive uma vivência de ‘Geração Tombamento’, então comecei a pensar sobre liberdade corporal. Um lado da minha cabeça se perguntava “é sério que fazemos escândalo por tudo isso?” são só jovens dançando, beijando e cheios de bebida nas ideias, mais nada. Dentro dos “muros” do Viaduto de Madureira era possível simplesmente existir, no sentido mais puro da palavra, num ambiente onde a maioria da população ser negra é um fato positivo. A Batekoo é um espaço onde você olha pros lados e todo mundo assente com a cabeça concordando que cada pessoa negra tem uma beleza incrível e única. Eu mesma poderia ter entrado na festa e ficar só contemplando os detalhes de cada um, seja na aparência ou nos gestos.

Uma falsa sensação de tranquilidade afetiva também me dominou. Acho que se eu estivesse solteira, seria facílimo ficar com alguém durante a noite, coisa que NUNCA aconteceu comigo em qualquer festa indie. Não que eu saia de casa pra sarrar, mas isso é fato. Será que é com essa autoestima certeira que os homens brancos, ditos como padrão de privilégio, transitam? Interessante. Mas isso é só impressão. Dando o exemplo do meu cabelo, quando ele esteve com o mesmo comprimento e penteado de dedoliss há uns 3 anos, de forma alguma eu seria vista como ‘estilosa’. Não, eu era só uma garota de aparelho com um recém big chop, roupas comuns de sentar no chão do IFRJ e considerada corajosa pelo corte de cabelo. No último sábado, não. Eu era uma preta de dedoliss, cropped, base e batom da negra rosa, ‘trabalhada no ouro’ do meu brinco e cordão, calça midi da moda e tênis novo prateado, sem contar que eu entrei com um copo grande de caipirinha e, pra variar, com um preto vestido com roupa africana à tiracolo.

Eu usando ‘dedoliss’ em 2013 e em 2017.

A gente tem 365 (às vezes, 366) dias do ano pra comentar as picuinhas dos movimentos negros sobre os ideais estéticos da nossa comunidade, então eu não quero me ater a isso. O que me preocupa, mesmo com a caipirinha correndo dentro de mim, é pensar no que cada corpo negro daqueles significa quando atravessa o portão do viaduto de volta à rua. São N estereótipos, a gente já sabe quais são. Alguns já tiraram a vida de parentes e até de outros jovens que algum dia já estiveram ou quiseram estar na festa, porém outros sequer souberam que aquele universo paralelo existia.

O que me preocupa é saber se as mãos que seguram latas de cerveja, copos de destilados e até garrafas de catuaba tocam mais nesses objetos do que deveriam. Eu sou suspeita sobre esse assunto, afinal a minha família teve tantos casos de alcoolismo que eu detesto bebidas e os valores de ‘positividade social’ que elas propagam. Eu vi a corda arrebentar pro lado mais fraco, então me pergunto quem é que vai salvar as pretas e pretos que acabarem viciando em álcool, cigarro e outras drogas das coisas que o mundo fora da Batekoo pode fazer, ainda que o mesmo ocorra em qualquer outro evento. Foi essa a agonia que eu senti vendo gente jogada no chão dando ‘PT’, olhares perdidos e outras situações que variam entre ‘perda de dignidade’ e ‘curtição ao máximo’.

É só uma festa e ao mesmo tempo não é. Eu quero ver os mesmos sorrisos e alegria com mais frequência no semblante dos participantes que cursam universidade. De transtornos psicológicos e doenças cardiovasculares o nosso histórico tá cheio e contando. Talvez seja natural tanta preocupação da minha parte já que a festa é preta, eu me vejo em cada um e acabo querendo zelar pela comunidade. É o que tá lá no TED das criadoras do projeto ‘GirlTrek’:

… como toda mulher negra que eu conheço, como quase toda mulher que eu conheço, ela priorizou o cuidado com os outros em vez de cuidar de si mesma”.

Mas, é bom saber de tudo isso. Eu vi tanta gente conhecida que fiz um jogo: a cada rosto familiar, mais um gole do meu copo. Não sei se isso é bom ou ruim. O lado bom é que, UHU!, estamos rebolando e não novamente em atividades de militância, mas o lado ruim é que eu até que curto minha ‘privacidade’ da casa da Matriz, das festas onde a música toca inteira, se ouve inglês o tempo todo e os ‘passos’ são todos iguais.

Cena de Dear White People ( Cara Gente Branca, 2017)

Novamente, Conceição Evaristo estava certa: as festas são o nosso momento de balancear as dificuldades da vida. Dear White People estava certa: às vezes, festejar é a coisa mais revolucionária que podemos fazer. Luedji Luna estava certa: estamos aqui, ainda que não queiram. Batekoo também é liberdade corporal, ancestralidade em forma de dança e afroempreendedorismo. É uma tentativa, até aqui 90% bem sucedida, de romper com lógicas que nunca foram pretas.

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