Pra quem não tem o costume de escrever diário, eu explico:
Produzir e ‘visitar’ textos sobre a própria vida é como entrar em uma sala de 360º, cheia de espelhos. Mas nem sempre são aqueles espelhos que distorcem e assustam, como mostram os parques de diversão dos EUA que a gente vê nos filmes.
Em uma dessas andanças literárias pela minha história, fui parar no início da minha adolescência. Um monte de páginas que relatam as minhas tentativas de agir e pensar de formas que agradassem às outras pessoas. Mesmo naquela época, eu fazia ideia de que estava indo na contramão da minha própria personalidade. Não sei de onde vem a cultura de debochar sobre as coisas que crianças e adolescentes sentem e resumir tudo a ‘drama’. Se você é uma das pessoas que pensa dessa forma, te darei duas opções:
- Sair desse texto
- Mudar esse pensamento e aproveitar para exercitar a autocrítica
Porque eu não sei a sua idade, mas você vai ter que escolher se vai ser você mesma ou quem querem que você seja, porque são pessoas completamente diferentes. E esse “quem” que eu estou falando pode ser sua família, seus amigos próximos, os autores dos likes que você recebe na internet, sua chefe, a liderança da religião que você segue, seus professores, enfim… Qualquer ser humano cuja opinião seja relevante pra você, já que nós vivemos em sociedade.
Algumas pessoas nascem com o bônus de ser, por exemplo, “a ovelha negra da família” (se você é ativista e está cansada de ler a palavra ‘negra’ em contextos negativos como eu, sinta-se à vontade pra substituir por ‘ovelha branca’). A ‘diferentona’. Isso pode acontecer por vários motivos diferentes, que vão desde a sua orientação sexual à profissão que você escolheu seguir. Pode ser porque é introvertida e as outras pessoas não. Pode ser até por conta de um time de futebol, afinal ‘tretas’ nascem por muito menos. O que interessa é que, no fim, é sempre um assunto que mexe com a gente.
Eu cheguei a um ponto, graças a internet e boas influências, que mesmo sendo ateia escuto um podcast chamado ‘Jesus and Jollof’, onde duas nigerianas que moram nos EUA e são famosas conseguem falar sobre carreira, relacionamentos e religião ao mesmo tempo. E eu juro que, além de ser divertido, faz sentido. No meio de um episódio, o assunto era como foi importante que elas desapontassem suas famílias para viver a carreira artística, e não a Medicina ou algo do gênero.
E o que eu, Yvonne Oriji e Luvvie Ajayi temos em comum? A gente aceitou ‘decepcionar as pessoas’ como parte do processo de sermos nós mesmas.
Spoiler: às vezes, as mesmas pessoas que criticaram são as primeiras a contar vantagem sobre quem você se tornou
E foi mais ou menos assim que eu me tornei uma pessoa apaixonada por andar, viajar e descobrir coisas sozinha. Esse é meu jeito de ficar tão livre dos ‘pitacos’ das outras pessoas. E pra vocês entenderem a sensação… lembram da minha versão adolescente lá do início do texto? Ela foi um combo de ‘palmitagem musical’ (curiosidade: o rock foi inventado por pessoas negras) com uma coleção de amizades virtuais Brasil afora. Poderia fazer um livro só sobre shows e encontros perdidos com esses artistas e pessoas queridas.
Hoje eu li sobre como, uma vez, decidi abandonar essas identidades pra ver se agradava a minha família. Eu escolhi, voluntariamente, me anular pra caber em uma expectativa alheia.
Felizmente, eu desisti dessa loucura. Mas, quantas vezes a gente não insiste nessa fórmula sem necessidade alguma?
Já avisei à Nathália de 2011 que, sete anos depois, atingimos nossa meta: vimos todas as nossas bandas favoritas ao vivo! Conhecemos praticamente todos os amigos virtuais da época. De ‘bônus’, também vieram cidades, comidas e histórias pra contar. Até o meu jeito de estudar e trabalhar evoluiu graças à tamanha ‘teimosia’.
Perguntem às mulheres extraordinárias que vocês conhecem se em algum momento elas conseguiram agradar todo mundo.
Quando elas responderem que não, perguntem se elas se arrependem de terem agido desse jeito.
E, por último, perguntem se elas têm alguma dúvida sobre o quão foda elas são.
No mínimo vai rolar algum sorriso, como o que eu estou dando agora. Nós estamos soltas no mundo.
E eu te pergunto: Você já reparou nas letras da ‘padroeira’ deste blog, Janelle Monáe? A bicha foi indicada a melhor álbum no Grammy!
Outra indicação que também tem a ver com esse texto é o livro ‘Tudo Nela Brilha e Queima’, da Ryane Leão.