Anteontem, três semanas após a entrevista que terminou comigo apertando a mão do diretor, finalmente recebi um e-mail da empresa anunciando que eu não fui “aproveitada” no processo seletivo.
Eu não me senti mal, nem puta.
Dei um sorriso pra tela e segui, afinal estava formatando a minha primeira oficina de Youtube, voltada pra adolescentes de escolas públicas. E aí esse tweet do Kabral fala por mim:
E essa já sou eu, aqui e agora. Tudo indica que, enquanto pra algumas pessoas empreender é um hobby, pra outras é destino. E existe uma expressão bem brasileira pra isso: fazer as coisas na marra.
Esse texto também é pra respirar fundo e pensar no que a Monique Evelle diz sobre “não comparar o seu início com o meio dos outros”.
Queria que a minha relação com o Mundo do Trabalho fosse um verdadeiro conto de fadas da classe C. Imagina só acordar com um ‘beijo’ da carteira assinada pela oportunidade e a empresa dos sonhos? De preferência, que a minha carruagem seja um bom ônibus ‘frescão’.
Mas, não é assim. Ao longo de uma graduação inteira, já me desesperei por bolsas de assistência estudantil e também me senti ‘crua demais’ até pra estagiar. Até que eu percebi que, na verdade, sou uma mistura de ‘interrogação’ com ‘ameaça’ pras pessoas. Segundo os milhares de ‘gurus’ da internet, pra ser bem sucedida uma pessoa precisa:
- Conhecer a própria história, sejam os episódios bons ou ruins
- Combater os próprios defeitos
- Elevar habilidades ao máximo (isso o The Sims já ensinou)
- E o mais gostoso pra Era da Meritocracia: se virar e prosperar independentemente das condições.
Às vezes, chega aquele momento em que a gente olha ao redor e, ao contrário do meme da Garota da Laje, percebe que “fez o requisito” SIM. E aí, até mesmo contra a minha vontade, fica IMPOSSÍVEL não afirmar que às vezes um ser humano só não ‘decola’ porque não é um homem branco cisgênero.
A razão é até simples: raramente duvidamos de homens brancos. Nós aprendemos a associar confiança, poder, beleza, autoria e um montão de outros aspectos positivos a eles como se fosse um dado da natureza.
Um dia ‘inventei’ de ir à entrevista de uma grande empresa, daquelas cobiçadas tanto pelo status quanto pela dignidade em tempos de tretas nos direitos trabalhistas. Na dinâmica, me apresentei e anunciei que, depois de ser obrigada a descobrir como fazer uma ‘limonada’ no meu trabalho com Comunicação, estava preparada pra vestir a carapuça de autônoma e ter meus próprios clientes. Minha conta bancária vazia não podia ficar esperando um estágio! A recrutadora me olhou como se eu tivesse falado: “Amanhã é o meu voo pra Marte. Quer ir comigo?”.
Se um homem branco diz “eu adoraria fazer ((insira aqui uma ideia inconsistente, prematura))”, as pessoas acolhem o sonho e não o questionam. É só dizer com o mínimo de convicção que as pessoas já preenchem as lacunas. Já eu chego quase que com uma autobiografia e não é o suficiente. As coisas são feitas pra ser assim.
Existe uma armadilha muito grande aqui, que é viver apenas de provar às outras pessoas que você consegue fazer algo, sim! Inclusive vencer as opressões e se tornar uma exceção. Quando nos damos conta, estamos total e constantemente sujeitas a aprovação dos outros. Mas, só pela ‘fofoca’, eu preciso contar que no fim das contas eu realmente me tornei freelancer e a pessoa aprovada na vaga do início do texto… Bem, ela não tinha boa parte da ‘diversidade’ que o anúncio da oportunidade sugeria.
Eu sempre achei que a pobreza era a minha maior fraqueza. Por exemplo: como o próprio Valtinho Rege fala, por um bom tempo foi motivo de vergonha e autocobrança pra mim o fato de que meu canal de Youtube era tocado apenas usando um celular, edição no movie maker, sem vinheta, com alguns ruídos e nada de estúdio moderninho com musiquinha de fundo. Até que eu percebi que os esforços pra chegar aos 10 mil inscritos e ser ‘minimamente notável’ pro Youtube Space — a sede do Youtube no Rio de Janeiro — eram tão grandes que me tornavam cada vez mais independente dos estúdios que somente eles poderiam oferecer.
É literalmente aquilo de “ser mais louco que o bagulho”.
Num dia desses, o Nas (do Nas Daily) publicou que o sonho dele, desde o início da faculdade, era trabalhar no Facebook. Ele insistiu loucamente, viu gente entrando na empresa e ele não. Anos depois ele mesmo foi convidado a apresentar o Nas Daily a todos os dirigentes do Facebook como referência de conteúdo. O Nas disse que assim ele concluiu que a história se saiu até melhor. Ele pôde ser mais livre e mais ouvido do que o próprio funcionário do Facebook conseguiria. Eu sei que mais ou menos a mesma coisa vai acontecer comigo e, silenciosamente, a gente vai recebendo todas as respostas através do tempo. O Nas mesmo poderia não ter publicizado nada e ter guardado essa reviravolta pra ele mesmo.
Às vezes o problema não é a gente.
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Esse texto é complemento do meu vídeo sobre tretas que passei pra me formar em Comunicação Social — Jornalismo pela UFRJ.